Chegaram ao portão do campo-santo e o velho disse a Leôncio que
entrasse sozinho.
Não gostava de cemitérios, desculpou-se. Explicou como chegar ao
túmulo da moça, despediu se com uma reverência e foi embora.
Não foi difícil para o caixeiro-viajante encontrar a campa que seu
acompanhante descreveu com precisão.
A tardinha se fora, escurecia, a noite já caía sobre o cemitério. A neblina
voltava a descer e esfriara um pouco. Leôncio sentia frio, tremia, mas podia
enxergar perfeitamente.
Estava de pé diante da tumba. E o retrato da defunta que ali jazia era
mesmo o dela.
“Aqui descansa em paz Marina, filha querida”, era o que dizia a inscrição
em letras de bronze, havia muito tempo enegrecidas, fixadas sobre o mármore
gasto da lápide mortuária.
O olhar aturdido de Leôncio desviou-se do retrato, não queria ver mais o
rosto amado aprisionado na pedra pela morte. Triste desdita a do viajante, havia
mais coisa para ver ali.
Uma tragédia nunca se completa sem antes multiplicar o desespero.
O olhar de Leôncio subiu em direção à parte alta do sepulcro.
Na cabeceira do jazigo estava uma peça que lhe era bastante familiar.
Sentiu um calafrio lhe percorrer a espinha, tinha as pernas bambas, o
coração disparado.
Aproximou-se mais do túmulo para ver melhor.
Estendida sobre a sepultura, à sua espera, repousava sua inseparável
capa.
Fonte: Minha querida assombração, de Reginaldo Prandi.
(São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2003).